quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Transmontana de gema

Nasci numa terra que fica atrás dos montes.
Numa terra onde as coisas demoram a chegar, numa terra de gente humilde e trabalhadora, gente que trabalha de sol a sol naquilo que é mais nosso: A terra.
Nasci numa terra de agricultores, que plantam, cuidam e colhem o que esta terra lhes dá.
Nasci numa terra onde se fala axim, numa terra onde se usam palavras de antigamente e em que mais nenhum canto do país se ouvem.
Nasci com sotaque de transmontana. E nasci feliz.
Cresci em liberdade, cresci rodeada de animais: Cães, gatos, coelhos, ovelhas, vacas, burros, galinhas, porcos, patos, perus, cabras, entre outros.
Cresci sem ter de me preocupar com as horas, cresci a subir às árvores e a correr em campos sem a supervisão de ninguém.
Aprendi o rumo da natureza, das estações do ano. Não foi na escola que me ensinaram que em Dezembro havia a apanha da azeitona para se fazer azeite, nem que em Janeiro se matavam os porcos para se fazerem as alheiras, não foi na escola que aprendi que em Maio se apanhavam as cerejas, não foi na escola que aprendi que no verão nasciam as batatas e os morangos, não foi na escola que aprendi que em Setembro se faziam as vindimas, em Outubro as sementeiras. Aprendi com os meus avós e pais, aprendi a fazer tudo isto.
Cresci numa terra onde se diz bom dia a toda a gente, cresci numa terra onde a missa de domingo é sagrada, e as festas da aldeia são alegria certa.
Cresci numa terra longe da capital, longe do mar, longe de cinemas e concertos, longe de centros comerciais, demasiado longe de tudo e da gente importante que tratava a minha terra como se fosse apenas um apêndice de Portugal, que não tinha muita importância.
Cresci numa terra de emigrantes.
Cresci numa terra pequena e simples e não podia ter mais orgulho nas minhas raízes.
Sou de trás-os-montes, e mesmo tendo crescido nesta terra tão longe de tudo não sou menos inteligente, menos sabida, ou tenho menos conhecimentos do que quem quer que seja.
Pelo contrário, sou uma pessoa, que por ter nascido em trás-os-montes valorizo mais as coisas que vem da terra do que as coisas que vem das máquinas.
Quando tive de ir estudar para uma cidade grande, perguntavam-me se sabia o que era isto ou aquilo, se já tinha visto o mar, se havia internet na minha terra, se já tinha ido ao cinema. Mal eles sabiam que ao perguntarem estas coisas os ignorantes eram eles.
Nestas alturas apetecia-me perguntar-lhes se sabiam o que era um escano ou um germum, ou como se semeavam batatas, couves e tomates, se sabiam como se fazia pão ou compota, se conseguiam ver as estrelas e constelações no céu claramente, se sabiam o que era uma charrua, se sabiam o que era o adobo, se sabiam identificar determinadas plantas e árvores, se sabiam como se fazia queijo e alheiras, se sabiam que metade das coisas que comiam vinham da minha terra. E eu quando tinha metade da idade deles já sabia tudo isto e muito mais.
Sou do Reino Maravilhoso, apelidado por Miguel Torga. E tenho tanto orgulho na minha terra, nas minhas raízes, e nas tradições que nunca conseguirei expressar a magia destas terras que ficam aqui atrás dos montes.
Tenho orgulho  naquela expressão que diz "para lá do Marão, mandam os que lá estão", e é mesmo assim.
Recentemente numa viajem de regresso à terra, o autocarro vinha cheio de turistas ingleses, estiveram a falar alto a viajem toda sobre coisas banais, mas assim que atravessaram o túnel do Marão e viram a paisagem que os rodeava fez-se um silêncio total e só ouvi um deles a dizer: "oh my god this is so gorgeous!"
E é mesmo.


5 comentários:

  1. Oh, meu Deus. É mesmo um lugar idílico!

    Olá, sou a Olivia, nova por estas bandas. Gostei do blogue! **

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  2. É mesmo um Reino Maravilhoso. Texto lindo, os transmontanos deviam ler! :)

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  3. Sou transmontana. Digo sempre que sou transmontana mas na realidade eu e as minhas irmãs já nascemos em Lisboa mas os meus pais são de uma aldeia remota de Trás-os-Montes, pertencente a a Bragança. Passei sempre lá as minhas férias de verão e mata-me por dentro quando não posso lá ir. Choro desalmadamente porque aquilo... aquilo não deixa de ser a minha casa também. Não há nada que me orgulhe mais do que dizer SOU TRANSMONTANA, CARAI!

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  4. Um texto que não só todos os transmontanos como também todos os portugueses deviam ler :)
    Parabéns.
    Beijinho

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